1/23/07

Acho que tenho um problema

... que envolve queijo fresco e doses consideráveis de requeijão de Seia. Às vezes com uma cobertura de doce de abóbora e nozes picadas.
Tudo começou com uma simpatia platónica pelo rapaz da charcutaria. A maioria dos que lá iam procuravam a singela farinheira ou a morcela de arroz, e sabiam distinguir entre aquela da Beira e a do Alentejo. Eu não. Naquele dia entrava no estabelecimento à procura de bolacha torrada e um pacotinho de açúcar, apenas e só. Foi quando ele me disse lá do fundo do balcão: "Então e um queijinho, não vai?". "Er..." -balbuciei. "Olhe que este é daqui!"- insistiu o rapaz puxando o lóbulo da orelha. E eu que sempre tive uma simpatia particular pela orelha de um bom moço anuí, roborizada: "Bom, se é daí...então eu levo".
O tempo passava, e rapidamente sucumbi ao consumo diário de queijo. Em pouco tempo ele apresentou-me todas as variedades de flamengo e emental, o Feta para temperar a rúcula, aqueles mais sofisticados para consumir disfarçadamente em festas privadas com os amigos e, como quem se mete no queijo acaba inevitavelmente derretido, não tardaria a cair nos amanteigados regionais, agora já sem qualquer possibilidade de redenção. É. Foram os quatro dias mais longos da minha vida.
Vendo-me tão dependente e, acima de tudo, bom... tão gorda, o rapaz deu-me o seu golpe de misericórdia, e num dia já depois do horário de expediente, alumiados apenas pelas montras de refrigeração temperadas pelo cheiro a presunto espanhol, ele disse-me: "Miúda, tu toma-te conta. Fica-te pelo queijo fresco e pelo requeijão, que isto é material que não faz mal a ninguém". Famous last words, imediatamente antes de fugir para o sul de frança com uma manequim anoréctica, já muito janada em Roquefort.
Destroçada e de queijo na mão, engoli o desgosto inteiro, sem sal nem pimenta, nem nada. Mas como dizia o tal Pavlov, uma vez retirado o estímulo persiste o comportamento condicionado. Já não me lembro do nome do rapaz e a única recordação que mantenho do seu lóbulo orelhal é uma camada absolutamente absurda de pêlos, cujo alvoroço passional daquele momento não me permitira ver, mas a queijice, essa continuava.
Hoje percebo que não há como voltar atrás, que tenho de me virar para a compota ou para a marmelada, mas o caminho para o recovery é tortuoso e difícil. Um dia de cada vez. E portanto, decidi começar pelas sessões de grupo. Hoje vai ser o meu primeiro dia.


- Er... Boa noite, o meu nome é Joana, e bom...

- Mmmmmmmmm...Oláaaaaaaaa Joaaaaaaaaana (coro!)

-... Olá-olá...bom, eu sou viciada em queijo. Pronto, está dito.

- Sim Joana...hehehe...pois. Sabes que nós, viciados em sexo, por vezes escamoteamos o nosso problema com humor, mas na realidade não há problema algum em...

- COMO?!..Não. Devo-me ter enganado na sala concerteza, então até loguinho sim?

- Joana-Joana, nós sabemos bem que ninguém aqui se enganou na sala, não é grupo?...

- Mmmmmmmmmm... Siiiiiiiiiiiiim Joaaaaaaaaaaaaaana (Coro!)

- ... Há coisas difíceis de admitir eu sei. Mas experimenta desta vez ficar só a assistir. Aceitas um cafézinho e uns canapés de queijo serpa?...Vá.

- Er... (DWOP!!!) uns dez minutinhos então.




8 comments:

Unknown said...

Fantástica a persuasão do grupo, ahm?
Delicioso texto, cara colega:)

W. said...

Isto é pessoas que se metem em meandros muuuuuito estranhos... Numa charcutaria, charcuta-se, não se compra queijo...

Joana said...

Obrigada caro P. :) A pressão é terrível de facto

W, Ah-ah... depende da charcutaria ora pois. O comércio tradicional é uma cena integrativa.

Joana said...

eu tinha medo de provar coisas vindas do lóbulo de uma orelha... sabe-se lá o que se acumula na derme? epiderme, talvez?
e se ele tivesse a orelha furada...

ok.
eu fico-me por aqui!

lolol!
bjs

W. said...

Integrativa até é... Mas daí a misturas dessas, quéssedezere...

Joana said...

Desde que a minha amiga Marta comeu farinheira assada com bolacha torrada relativizei o meu conceito de misturas. Sou uma ganda menina é o que é :)

Joana said...

Joana, todos nós temos nódoas no nosso registo criminal amoroso.lol.

Anonymous said...

olá,eu sou a Marta e
fui viciada em farinheira c bolacha torrada...agora,continuo a ser a marta mas viciada em morcela de arroz c bolacha de água e sal...
bj